Família

A RAINHA DO AVENIDA

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No bairro em que nasci e me criei tinham dois times de futebol amador que movimentavam todos os moradores. Era rivalidade pura, embalada por torcidas organizadas bem familiares, onde a vizinhança se dividia. Um compromisso certo de todo domingo para os quem ali viviam: torcer.
De um lado, o Botafogo do Jardim Mauá. De outro, o Avenida do Jardim Mauá. E a festa da bola animava de casa em casa, independentemente se uns preferiam o preto e branco da estrela solitária, ou o vermelho e branco da Vila Fleck.

Minha mãe chegou a Novo Hamburgo com dezesseis anos. Natural de Capela de Santana, veio com meus avós em busca de uma nova vida na cidade. E lá, meu avô Horácio encontrou o Avenida para amar, se dedicar e fazer amigos. Ela era a grande parceirona dele, que chegou a ser dirigente. Em dias de jogos, acordava antes do vô, e se arrumava primeiro que todo mundo para entrar no ônibus e embarcar para onde fosse com a delegação. A vida dela era estar em campo com o time.

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Em 1971, então com 19 anos, concorreu com outras duas candidatas ao título de rainha do clube. Na época, as candidatas vendiam votos para buscar a faixa. Cada “eleitor” contribuía com o valor que podia, e a renda era revertida para melhorias na sede  e nas acomodações. Minha mãe vendeu mais votos e foi eleita.
Geralmente eles faziam uma festa para homenagear a escolhida, mas naquele ano o pai de uma das candidatas faleceu e, em respeito a ele, minha mãe foi apenas aclamada vencedora. Desfiles, eventos sociais, mordomias?!? Nada disso!! A Rainha do Avenida tinha que colocar a mão na massa. Trabalhava de garçonete nos almoços e jantares que angariavam fundos para o time, e a maior alegria era entrar em campo em jogos importantes, carregando a super bandeira do clube.
Foi um grande orgulho para o meu avô, apaixonado que era, ver a filha ser representante oficial do time que escolheu como do coração.
Acontece que a Rainha do Avenida se apaixonou pelo ídolo do Botafogo, e o que dividia o bairro serviu para unir as vilas, e encontrar a alegria nos dois lados do campo.deboradeoliveira-time-do-pai
Dessa união eu nasci. Eu que sempre fui Botafogo e sequei o Avenida. Pela rivalidade mesmo, mas principalmente pelo meu pai. O ídolo, o artilheiro, o goleador, o tantas vezes melhor em campo. Mas no fundo no fundo eu gostava do time da minha mãe… Porque se eu voltar no tempo e contar minha infância, vocês vão ver que a Rainha do Avenida abriu caminho para que eu seguisse a história dela, sendo a grande companheira do pai, vivendo com ele as emoções da bola, e fazendo de tudo para que ele também se orgulhasse de mim.
A Rainha do Avenida hoje não tem mais o time dela para representar. Foi uma tristeza quando viu o campo virar obra que hoje abriga uma creche. Mas, na memória e no presente, vamos sempre agradecer aquela bandeira que ela carregou com orgulho. Aquela bandeira foi o primeiro passo para que hoje eu possa estar tremulando em todos os gramados.

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